sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Encontros e Desencontros (Lost in Traslantion) - E o paradoxo de estar sozinho na multidão

Escrito por Diego Santos e Josi Mendes

A cineasta americana Sofia Coppola, filha do conceituado Francis Ford Coppola, tece, em seu segundo longa - “Encontros e Desencontros” (Lost in Traslation) - histórias que entremeiam dramas pós-modernos, como a solidão e a sensação de não pertencimento a lugar nenhum, com situações cômicas, como o choque cultural e o frenesi do Japão contemporâneo.
Os protagonistas do filme são Bob Harris ( Bill Murray) e Charlotte (Scarlett Johansson), dois americanos que se vêem obrigados a passar uma semana no Japão - ele por trabalho, ela para acompanhar o marido - sendo que não conseguem compreender e nem se adaptar à cultura japonesa, sobretudo à língua, reforçando a idéia do deslocamento cultural e a sensação que ambos já carregam em si: de estarem sozinhos na multidão. Numa espécie de desencontro consigo mesmo.
Ambos são envoltos, nas primeiras seqüências do longa, por uma causticante sensação de tédio, que captura o telespectador, de tal maneira, que se tem a impressão que o tempo não passa ou que os protagonistas já estão há meses no Japão.
Esse tédio, aliado à ausência de algo lhes pareça familiar, acaba por aproximá-los (representado, no filme, por uma rápida troca de olhares no bar do hotel), e, a partir desse encontro, começam a desenvolver uma ambígua e descontraída relação, na qual amizade e amor acabam se confundindo.
A dualidade de sentimentos é tamanha quem nenhum dos dois consegue definir o que sente, numa confusão que mistura, por exemplo, ciúme (como na cena no restaurante na qual Charlotte está evidentemente enciumada por Bob ter dormido com outra mulher) e relação de proteção entre um pai e uma filha (ilustrado pela tomada em que dormem na mesma cama, Charlotte em posição fetal e Bob em uma posição como se quisesse mostrar força e capacidade para defendê-la).
Na verdade, o que Sofia quer não é narrar mais uma história de amor açucarada, e este é seu trunfo. Ela aproxima seus personagens com o intuito de um trazer aquilo que falta no outro, numa complementaridade de sentimentos e angústias. Isso é tão marcante que nunca se sabe se eles têm uma profunda amizade despretensiosa e fraternal ou se nutrem, de fato, amor “de um homem por uma mulher”. Ou seja, Sofia traz à tona aquilo que há muito se sabe: ninguém consegue se estabelecer como um ser humano sozinho.
Sofia retrata, também, problemas universais da humanidade, que atingem pessoas independentemente da idade, sexo... Para isso, se vale da construção desses dois personagens aparentemente tão diferentes - um homem maduro e uma jovem recém-casada - que sofrem dos mesmos males: a solidão e a incomunicabilidade, que acabam por desestabilizar suas relações interpessoais, inclusive no que diz respeito ao ambiente conjugal.
Essa solidão e a incomunicabilidade são metaforizadas pela diretora através da própria cidade/cenário do filme – Tóquio - lugar onde os personagens vivem em meio à loucura e a intensa movimentação do povo japonês e, mesmo assim, não se sentem confortados, sobretudo pela sensação de desterro e impotência em face da incompreensível língua - elemento fundamental para sensação de pertencimento a um povo e elo essencial para o estabelecimento das relações entre os homens (lembremos da história da Torre de Babel).
Mas é importante ressaltar que os dramas dos personagens não surgem somente em função da cidade ou da língua, isso é apenas uma metáfora que a diretora utiliza para exteriorizar aquilo que Charlotte e Bob já tinham internalizados em si, ou seja, ela se vale da ambiência exterior para retratar o que ambos já carregavam: confusão, solidão, tédio, dramas sentimentais, impessoalidade, indiferença, etc. Exemplo disso são as cenas em que ela constrói situações em que podemos sem incomunicáveis mesmo quando falamos a mesma língua, vide as “conversas” entre Charlotte e seu marido ou entre Bob e a esposa, nas quais o ouvir não é praticado.
À parte dessas análises dos sentimentos e relações humanas, Sofia aborda a problemática do globalismo cultural, ao mostrar um Japão que cada vez mais se ocidentaliza e, ao mesmo tempo, luta por manter suas tradições e costumes (cena dos prédios multicoloridos de Tóquio/ cenas do templo em Kyoto, por exemplo). Além disso, a própria questão do hibridismo cultural é retratada, pois se mostra uma fusão entre tradições e hábitos novos e velhos, que coabitam o mesmo espaço de modo a fundirem-se e criarem uma terceira coisa, como propunha Nestor Clanclini (exemplo: cena em que o jovem de Tóquio brinca num vídeo game que mistura os clássico tambores japonês com a tecnologia contemporânea).
Vê-se, também, nessa seara de tradição e contempoaneidade, entre resistência e homogeneização, a existência de dois tipos de mulheres japonesas: aquela cativa às antigas tradições (mulher do templo de Kyoto) e a japonesa moderna e liberal (striper do bar).
Enfim, o filme do Sofia é, evidentemente, um tratado sobre conflitos e feridas contemporâneas, regido pelo estranho paradoxo de se fazer parte de uma aldeia global que aproxima e isola a todos ao mesmo tempo, num eterno fluxo de encontros e desencontros.





Réquiem para um Sonho - do céu ao inferno em 102 minutos

Escrito por Diego Santos
“Réquiem para um sonho”, filme norte americano dirigido por Darren Aronofsky, se já não tivesse esse título que já lhe é tão revelador e apropriado, poderia se chamar, muito bem, “Decadência de um sonho” ou, ironicamente, “Quando a ação irrefreável da vida aniquila até seu últimos desejos” ou mesmo “A falsa felicidade construída pelos vícios”, todos nomes que remetem a temas recorrentes nesse longa, permeado, nos seus quase 102 minutos, de um pessimismo que corrói os sonhos e as esperanças dos personagens e, por tabela, consome o próprio ( e desavisado) telespectador, que sem saber o que virá, embarca numa sensação aflitiva de perceber que o amanhã (embora levianamente sempre acreditemos) não é obrigatoriamente tão esperançoso e que os vícios humanos, que trazem felicidades tão frágeis e momentâneas, acabam por degenerar aquilo que temos de mais precioso: o sonho.
O filme gira em torno da história de quatro viciados: Sarah Goldfarb (dona de casa solitária que se vê mergulhada nos dilemas do envelhecimento e da solidão humana. É mãe de Harold, o protagonista); Harold Goldfarb (também chamado de Harry, busca ascensão na vida através de meios ilícitos – tráfico de drogas. Viciado em cocaína, ele tem um romance com Marion);Tyrone C. Love ( amigo de Harry.É traficante e possui um relação edipiana com sua já falecida mãe); e Marion Silver (filha de pais ricos que, no entanto, entrega-se a um mundo de promiscuidade e vício em cocaína).Todos eles iniciam a história cheios de esperanças e sonhos, que são os fatores motivadores de todas suas ações no decorrer do longa, mesmo quando essas são o vício pelas drogas, o roubo e a prostituição.
Emblematicamente, o diretor separa o enredo em três estações do ano - verão, outono e inverno – com o intuito de, metaforicamente, fazer uma relação entre aquilo que acontece na vida dos personagens e as mudanças naturais da arrebatadora vida. A trajetória de Sarah, Marion, Harry e Tyrone confundem-se simbioticamente com o tempo natural, de modo, que suas vidas ascendem e decaem assim como o clima ascende e decai.


Verão dos sonhos e vícios

Desse modo, o início do filme é retratado como o verão, estação luminosa, quando os sonhos nascem. Período propício para felicidade, repleto de esperança, tal qual encontram-se os personagens.
Nessa época, Sarah, viciada em programas de televisão, é convidada para participar de um de um show de TV que, além de ser um misto de culto, auto-ajuda e promoção dos vencedores, prega o que somos obrigados a acreditar, que na vida temos duas escolhas: somos perdedores ou vencedores.Contudo, para ela, esse é o momento áureo de sua apática existência, uma forma de recuperar aquela felicidade idealizada que perdera no passado.Tanto que diz: “Agora eu olho para o sol e posso sorrir de novo”.
A partir desse convite, sua maior vontade é emagrecer para poder caber em um vestido vermelho e, assim, aparecer perfeita no programa, do modo que passa a se submeter a rígidas dietas e, posteriormente, a um tratamento com anfetaminas, estimulantes e tranqüilizantes, que acabam por enredá-la num ciclo de vicio, paranóia e obsessão.
Nessa estação, Marion e Harry, são retratados como os típicos rebeldes sem causa da sociedade (ela, uma jovem rica que, embora tenha “tudo”, entrega-se ao submundo e Harry que, embora tenha uma mãe amorosa - capaz de fazer tudo pelo filho - renega os valores familiares). O sonho de verão desse casal é sublimar todos os seus traumas familiares e constituir uma relação amorosa consolidada, uma vez que um considera o outro o grande amor de suas vidas.
Para concretizarem tão nobre anseio, Harry sugere a Marion que construam uma loja de roupas, pois a garota apresenta enorme talento para design. No entanto, nenhum deles se incomoda que, para alcançar tão objetivo, tenham que recorrer a atos escusos e se entregar aos vícios, o que, posteriormente, acaba por uma pá de cal em suas ínfimas esperanças. (Harry começa a traficar drogas. Marion, precisando de dinheiro para seu amado continuar o negócio, transa com seu psiquiatra que condiciona o empréstimo a uma noite de amor com ela. Entrecortando esses momentos, ainda há intensas sessões de consumo de drogas).
Tyrone tem apenas um sonho/esperança: vencer na vida para honrar uma promessa que fizera na infância para sua mãe. No entanto, para obter tal resultado, assim com Marion e Harry, não vê nenhum problema em recorrer a métodos escusos, como o tráfico de drogas.
Assim como os demais, esse personagem possui um vício, entretanto, embora erroneamente se pense, esse não são as drogas, embora as consuma costumeiramente. Na verdade, pode-se sugerir que seu “grande vício” está ligado a uma espécie de perversão sexual que tem, materializada na obsessão que nutre pela mãe, a ponto de procurar parceiras sexuais que se assemelhem a ela, pois, como mostra uma cena do filme: a atriz desnuda na cama pergunta no que ele está pensando, ele responde que está pensando nela, no entanto está pensando em uma cena da infância em que ele, nos braços de sua mãe, diz que vencerá na vida por ela, recebendo como resposta o seguinte: “não precisa querido, basta apenas amar sua mãe”.Depois do fim desse devaneio do passado, ele retorna a sua namorada e começa a consumar o ato sexual com ela.
Toda essa seqüência, que mistura devaneios passados e o presente, o ato sexual e o pedido da mãe para que o ame, além de diversas outras atitudes desse personagem (Tyrone) no decorrer do filme, nos induzem a acreditar que ele possui, como afirma Freud, uma relação edipiana mal resolvida em relação a sua mãe. Isso porque, o pai da psicanálise afirma que quando crianças, nós somos induzidos, por nosso inconsciente, a termos um dos pais como objeto de amor. Contudo, ele afirma que isso é uma fase, de modo que chegaria um período em que naturalmente seriamos obrigados a abdicar desse primeiro objeto de desejo para nos relacionarmos com outras pessoas, o que seria motivado pelo medo da castração.
Portanto, Tyrone por relacionar a relação que tinha com sua mãe às relações libidinosas que tem com mulheres no presente, pode representar tanto o anseio de querer encontrar alguém idêntica a sua mãe, quanto uma relação incestuosa que esse possui por sua genitora, que é a grande motivadora de seu sonho: vencer na vida.


“The Fall”

Entretanto, continuando a metáfora entre estações e ascensão/decadência, logo vem o outono, e a felicidade que cada um experimentou na estação anterior começa a despencar como as folhas das árvores dessa estação. Em inglês, essa metáfora é mais evidente, pois outono nessa língua é o termo “fall”, que é uma palavra que também pode ser traduzida como “queda”, reforçando essa idéia de decadência.
Nessa estação, Sarah, ainda motivada pela vontade de emagrecer para aparecer na tv e, com isso, sair da mediocridade que, segundo ela, seu isolamento e a velhice impõe, começa a perder o controle de seu vício por anfetaminas, começando a exceder a dose indicada pelo médico e mesmo começando a comer as pílulas para substituir as refeições.
Agitada e em estado de extremo vício e alteração, Sarah começa a ter visões alucinógenas que envolvem seus algozes: a geladeira de sua casa e a sua própria imagem, contudo, não a imagem da Sarah real, mas sim a Sarah perfeita, aquela que é construída sob as lentes da fantasiosa TV. A personagem começa a imaginar que a geladeira quer atacá-la. Paranóia e obsessão começam a tomar conta de seu ser, chegando a ponto de uma noite, a mulher perfeita da TV se materializar em sua sala, coagindo-a, humilhando-a, mostrando toda sua fraqueza e incapacidade perante os valores e ideais perfeitos da televisão.
A ação do outono também pesa sobre os outros personagens, o negócio de drogas que Harry desenvolveu com Tyrone durante o verão começa a desandar em função da falta de mercadoria. Tyrone é preso. O dinheiro acumulado até então vai se esgotando, o que obriga Marion a se prostituir para seu psiquiatra para que ele lhe empreste dinheiro. Harry e Marion afundam cada vez mais nas drogas, brigas constantes fazem começar a ruir seus sonhos de amor perfeito.


Inverno: para que um sonho termine, basta ter começado.

Até que chega o inverno, estação que traz consigo o desfecho trágico para cada um dos personagens: a aniquilação total de seus pueris desejos, sonhos e esperanças.
Sarah, em estado de plena alucinação, finalmente é consumida por sua paranóia, fato que é teatralmente marcado pela cena em que ela é literalmente engolida pela fonte de seu medo e martírio: a geladeira. A partir desse momento, deixa-se consumir por total delírio, passando a viver em um mundo onírico. Fica vagando sem rumo pelas ruas de Nova Iorque. Acaba internada em um hospital psiquiátrico, sendo submetidas a tratamentos desumanos e pior, nem percebendo isso, pois se tornou alienada de si mesma, só sentia a dor e sofria sozinha, sem saber o porquê de sofrer. Nesse momento o diretor faz uma crítica mordaz as relações individualistas e ao isolamento do homem pós-moderno, pois ninguém que atende Sarah realmente se preocupa em saber quem ela é ou o que tem, dando a ela tratamento estéril, frio, impessoal. Ninguém realmente se imposta em tratá-la, agindo como se fosse um objeto.
Marion possui uma discussão voraz com seu amado Harry,o que representa o fim de seu sonho de final feliz romântico.Depois de separados, pois Harry viaja junto com Tyrone até a Califórnia com o intuito de comprar drogas para continuar seu negócio, Marion, no auge de sua alucinação e vício, prostitui-se para conseguir drogas.Seu anseio por uma realidade aparente, uma felicidade pré-moldada e momentânea, que a tire do mundo que está desmoronado (sem família, sem amor) a faz, como ela própria diz em certo momento do filme, “ir ao inferno”.
Durante a viagem, Tyrone e Harry também vislumbram o ato final de seu sonho. Enquanto o segundo vê um problema em seu braço, causado pelo consumo de cocaína, agravar, o que culmina com a amputação do membro gangrenado no final catastrófico do filme, Tyrone acaba preso por tráfico de drogas, terminado seus dias numa penitenciária, submetido a humilhações e constantemente desejando voltar a infância, para a proteção que tinha nos braços de sua mãe.
Em suma, o inverno só vem reafirmar aquilo que o próprio titulo sugere: “Para que um sonho termine, basta ter começado”.Portanto, não é estranho classificar o filme de Darren Aronofsky como grande espetáculo de ascensão e queda de um sonho, onde nem a renovação é permitida para os sonhadores viciados e perdidos em seus devaneios fúteis.Como prova máxima disso temos a ausência da primavera, o que evidencia a falta de chances de se regenerar e de se retomar o sonho morto.
Sem perdão para os pecadores.


Temas transversais:

Um dos temas transversais é a questão do isolamento humano pós-moderno, tão tratado pelos pensadores contemporâneos que afirmam que a cada dia o ser humano se torna mais individualista - atomizado - tanto que todos os protagonistas sofrem por solidão (Sarah da família, Tyrone da mãe). Mesmo o casal do filme, no final, incorpora esse espírito individualista, que obriga a ambos, para fazer prevalecer seus sonhos e vontades individuais, tomarem caminhos distintos.
Outra temática é abordada através de uma alegoria presente na cena final do filme: todos os personagens deitam-se e buscam ficar em posição fetal, o que, possivelmente, pode representar uma tentativa de voltar para a fase inicial, quando ainda não fomos corrompidos pelas influências do meio. Fase distante de desilusões e desesperanças, o que pode remeter justamente a idéia behaviorista do comportamento do homem sendo determinado pelo meio, tanto que a fase fetal seria a fase anterior a essa influência, ou como dizia Rousseau: “o homem não nasce nem bom nem mal, o meio o corrompe”.
E, por fim, ainda trata-se de problemáticas da comunicação social no que concerne a relação de Sarah com a TV. Essa personagem é viciada em um mesmo programa que estabelece uma espécie de relação hipnótica com o telespectador, mostrando as mesmas mensagens otimistas e de alto teor de alto ajuda, o que pode nos lembrar como os meios de comunicação podem funcionar como instrumentos de alienação das massas.

Sarah fica absorta em seu mundo de fantasia televisiva, é por ele que se droga, é por ele que acaba paranóica, é por ele que acaba morrendo para o mundo e tornado-se alheia a si própria. Acaba por viver numa aparente realidade, revelada, sobretudo, na cena final, em que se refestela na cama, feliz, sonhando com o programa, enquanto suas amigas choram, abraçadas sob a neve, depois de tomarem ciência de seu estado deplorável (real x imaginário).
Nesse ponto que se abre o leque para discussão da sensação hiper-realidade que os meios de comunicação nos permitem ter. Parece que tudo na TV é melhor, que tudo é perfeito e, em busca desse ideal inalcançável de beleza e perfeição, é que se desenvolvem neuroses, paranóias e obsessões, como metaforicamente mostra-se através da vida de Sarah Goldfarb.