sábado, 17 de maio de 2008

Os Sonhadores: o resgate do espírito idealista do jovem

Por Josi Mendes

Em “Os Sonhadores”, o cineasta Bernardo Bertolucci apostou na ousadia (uma das marcas de seu trabalho) para homenagear uma conjuntura histórica desenvolvida na Europa, mas que repercutiu em todo o mundo: o Maio de 1968. O pontapé inicial desse longa foi o livro “The holy innocentes” do escritor norte americano Gilbert Adair, o qual assinou o roteiro do longa metragem.
O contexto histórico reconstituído é a primavera francesa de 1968, na qual ocorreram sucessivas revoltas estudantis na Europa, motivadas, sobretudo, pelo questionamento do sistema capitalista e da sociedade de consumo por ela impulsionada. Diante desse cenário, Bertolucci tenta captar, através dos jovens, o espírito libertário da época, no momento em que as fronteiras políticas, culturais e morais estavam sendo ampliadas.
Sociólogos e filósofos como Jean-Paul Sartre, que estiveram presentes nos acontecimentos, afirmam que aquele foi um ano confuso e que ninguém sabia exatamente o que queria, mesmo assim, houveram importantes conquistas dos movimentos organizados para a efetivação de direitos humanos por meio de pressão à Organização das Nações Unidas (ONU).
O frisson causado pelo filme certamente não se dá, unicamente, por essa abordagem histórica, mas também em razão das cenas de nudez, sexo e incesto espalhadas por todo o longa. Entretanto, a sutileza para mostrá-las é utilizada com maestria pelo diretor. A arte, do cenário à trilha sonora, atores, etc. demonstram sua imensa sensibilidade.
O enredo gira em torno do encontro do jovem Matthew (Michael Pitt) com os irmãos Isabelle (Eva Green) e Theo (Louis Garrel). Matthew é um estudante norte-americano que faz intercâmbio na universidade de Paris e é amante do cinema, isso permite que conheça Isabelle e Theo, irmãos gêmeos que vivem uma relação incestuosa. Logo os três tornam-se amigos, dividindo além da paixão pela 7ª arte, relacionamentos e experiências, principalmente quando têm a oportunidade de ficarem sozinhos por um mês no apartamento dos pais dos gêmeos.
Os três são cinéfilos convictos e testam seus conhecimentos através de joguinhos sexuais ao mesmo tempo em que debatem as suas diferentes concepções políticas, de um lado um libertário e do outro um conservador.
Matthew é o personagem “perturbador da ordem” do mundinho de cinefilia e incesto construído pelos gêmeos, visto que a todo momento contesta as concepções políticas e morais dos irmãos.
A cena na qual Matt contesta o idealismo político de Théo é estratégica para “perturbar” a postura de quem se intitula como jovem revolucionário, pois nesta cena Theo enaltece o povo chinês e sua devoção cega ao livro vermelho de Mao Tsé Tung, o qual deveria guiá-los para a revolução. No entanto, Matt questiona essa postura em face da obsessão cega do povo à doutrina de Mao Tsé Tung. Além disso, ele afirma que: se Theo acreditasse realmente na revolução, estaria nas ruas promovendo-a junto aos outros jovens e não trancando em seu quarto discutindo cinema enquanto bebe vinhos caros. É um bom estímulo para a reflexão sobre a contradição nos discursos, a distância entre reflexão e ação, e conseqüentemente a ineficiência na promoção da práxis nos moldes marxistas!
Os tabus morais com relação ao sexo e valores familiares também são questionados por Matt que, ao se deparar com o relacionamento incestuoso de Isabelle e Théo, acredita que eles possuem desvios psicológicos, sendo capazes de crer que possuem uma ligação inseparável que nada nem ninguém poderia desfazer. Todavia, apesar das divergências, Matt acaba entrando no jogo dos irmãos, seja por estratégia, seja por vontade de quebrar seus valores e tabus, assim se forma o triângulo amoroso da trama, algo que mudará a todos.
As diferenças culturais entre a visão conservadora norte americana e a libertária européia também são postas em xeque a todo tempo. Sem supervalorizar nenhuma, o diretor simplesmente mostrar as fragilidades e fortalezas de ambas.
O filme ainda traz à tona dois tipos de sonhos típicos dos jovens, aqueles produzidos dentro do cinema - inspirados e idealizados pelos filmes - e os produzidos nas ruas - conseqüência do anseio por mudanças sociais, culturais, políticas, etc. Daí o título, tão preciso e perfeito para aquilo que o filme deseja mostrar: os sonhos revolucionários dos jovens e seus comportamentos.
Mesclando esse cenário político com os anseios e desejos dos jovens daquela época, o diretor consegue fazer um filme transgressor, polêmico, poético e envolvente, tratando de temas incendiários com muita naturalidade, além de que faz uma homenagem ao cinema, reforçando-a, a todo o tempo, com passagens de filmes clássicos.

terça-feira, 6 de maio de 2008

"Encontro com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá": um caleidoscópio da realidade contemporânea

Escrito por Diego Santos
O mito da aldeia global - massificado como a idéia de redenção advinda da quebra de barreiras e superação das diferenças entre os diversos Estados - mostra sua faceta cruel (ou real) no documentário “Encontro com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá” que, ao se valer da perspectiva crítica do geógrafo Milton Santos, revela a América Latina globalizada, ou melhor dizendo, a América Latina subjugada pelo modelo de globalização vigente.
Sílvio Tendler, ao conceber a idéia desse documentário, deve ter objetivado lançar mão de todas as suas angústias sobre o confuso mundo contemporâneo, pois o resultado que obteve foi um grande quebra-cabeça de imagens, dados, frases, sons, opiniões e críticas socias que submergem o telespectador numa profusão de reflexões sobre tudo e todos ao mesmo tempo, quase que numa paranóia delirante sobre a contemporaneidade, o que é reforçado pela forma de montagem do enredo: fragmentária, dividida em mini-capítulos.
É essa estética fragmentada - que acaba funcionando como metáfora para o próprio panorama global, mergulhado em seu caos de construções e desconstruções instantâneas (entre a completude e a pulverização) – que permite mostrar a vida como ela: a fome no mundo, a rebeldia latino-americana, a exploração humana, a escassez de água, o multiculturalismo, o papel da mídia na atualidade, o hibridismo cultural, entre muitas outras questões, todas encadeadas e costuradas por uma linha reflexiva sobre a prática predatória imposta pela globalização.
No entanto, apesar do que fora até então escrito nos induzir a idéia de possível irracionalidade do filme, “Encontro com Milton Santos...” é uma crítica contundente e bastante racional sobre o mito da aldeia global, que, para além da perspectiva utópica de universo sem fronteiras ou restrições, mostra-se restrito (ou mesmo benevolente) a poucos afortunados e atroz para muitos, sobretudo no que concerne aos países pobres, vítimas, nas palavras do próprio Milton, do globalitarismo.
Ou seja, Sílvio orquestra toda essa miscelânea de dados de tal forma que o resultado final é uma perspectiva geral sobre uma globalização “vista com olhos latino-americanos”, como o próprio título sugere. E, contrariamente ao que se pode pensar, ao fim se tem uma perspectiva esperançosa para o caos social, relevando o grande trunfo do diretor, que, para além de fáceis críticas à realidade, mostra o que pode ser feito e o que vem sendo tentado para alcançamos aquilo que se chama no filme de terceiro mundo, ou seja, o mundo que pode vir a ser.

E o Globalitarismo?

Globalitarismo é um termo cunhado no contexto do próprio documentário que tenciona expressar a predação que o processo de globalização acabou por impor à América Latina e a demais países pobres/em desenvolvimento, sobretudo em função de ter contribuído para a subjugação e dependência dessas nações em relação às grandes economias.