O documentário “Justiça”, de Maria Augusta Ramos, retrata o cotidiano das pessoas que trabalham no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: promotores, defensores públicos, juízes, etc. No entanto, a intenção da diretora é destacar a relação que esses profissionais têm com aqueles que apenas “transitam” pelo Tribunal: os réus, mostrando seus dramas familiares, suas histórias da prisão, bem como o trabalho de defensores públicos indiferentes, promotores inertes e juízes inflexíveis.
Com a câmera precisa, Maria Augusta revela os meandros das estruturas de poder, leia-se também o conservadorismo do Judiciário, perceptível nos pequenos detalhes, desde os corredores do fórum, às disposições das cadeiras. Vê-se o discurso, os códigos, as diferentes linguagens, as posturas distintas, coisas que passam despercebidas e demonstram, sensivelmente, a ideologia que fundamenta a “Justiça” no Brasil.
Não por acaso, a diretora se preocupou em mostrar as realidades distintas, tanto na profissão, quanto na intimidade familiar, entre os profissionais da “Justiça” e os acusados nas prisões superlotadas. Esse contraste implica em uma indagação profunda e preocupante: os profissionais do judiciário têm capacidade de “julgar” a vida dessas pessoas?
Há um considerável distanciamento entre o profissional que aplica a lei e o que cometeu um delito, uma vez que o primeiro julga a partir de sua realidade. Isso se evidencia de forma gritante na área criminal. Por exemplo, se uma pessoa comete um roubo de um produto de pequeno valor e é presa, ela deve ser condenada pois, provavelmente, a mentalidade do juiz é de que o indivíduo cometeu um crime e deve sofrer a sanção cabível para que ocorra a sua reeducação, afinal, é função do Poder Judiciário, através do poder de polícia, reprimi-la. Mais que isso, deixar esse “criminoso” livre pode fazer com que o juiz acabe sendo vítima dessa “criminalidade”.
Nesse sentido, a fala da defensora pública, mostrando sua perplexidade ao escutar um promotor dizer que não estava vendo as pessoas sendo presas e, por isso, estava fazendo muitas “denúncias” de crimes, traduz perfeitamente esse distanciamento entre o judiciário e as pessoas. Ora, se um profissional representante de um órgão responsável por fiscalizar o cumprimento das leis não conhece a realidade das prisões e penitenciárias brasileiras, realmente é um caso grave.
Desse modo, as pessoas viram “autos” ou “processos” que abarrotam as mesas e sinalizam a “criminalidade” crescente no país. A origem humilde, o baixo nível de escolaridade e a região que habitam acabam reforçando um pré-conceito para uma possível tendência à ‘marginalidade’, quando pensávamos ter esquecido a estigmatização e criminalização dos três P’s (preto, pobre e puta), ela ressurge.
Sem querer induzir generalizações sobre o perfil dos profissionais do judiciário, mas considero que apesar do documentário filmar o dia-a-dia desses profissionais, dos réus e suas famílias no Rio de Janeiro, esse recorte certamente pode ser aplicado em muitos estado brasileiros.
Tudo isso não é por acaso, o sistema econômico, político e social que o Poder Judiciário está inserido corrobora e mantêm perfeitamente essa lógica, escamoteando o questionamento: qual é o perfil das pessoas que estão sendo presas e por quais crimes? A resposta é simples, a maioria são pessoas de baixa renda ou sem renda alguma, com baixo nível de escolaridade proveniente de regiões periféricas das grandes cidades que cometem crimes contra o patrimônio.
Percebe-se que o princípio da insignificância desaparece muitas vezes e a maioria das pessoas presas são “ladrões de galinha”, termo utilizado no filme. Para aqueles que roubaram (e ainda roubam) quantias consideráveis dos cofres públicos, em decorrência de cargo político ou poder econômico, há tratamento diferenciado, o que revela uma certa “aplicação seletiva” da lei em nosso país. Qualquer semelhança entre a atualidade e essa descrição não será mera coincidência.
Há, sem dúvida, uma harmonia entre o sistema capitalista neoliberal com a atual situação do Poder Judiciário no Brasil. Por mais que manter uma pessoa na cadeia ou penitenciária seja mais caro do que manter esse mesmo indivíduo em uma escola, a lógica é invertida. É mais oportuno superlotar cadeias do que educar e construir a consciência crítica das pessoas, que, provavelmente, questionarão o sistema posto, visto que a alienação é uma arma eficaz para impedir o acirramento da luta de classes.
Dessa forma, o direito pode servir tanto para a manutenção do status quo, quanto como agente transformador da realidade. O ideal aristotélico de “Justiça” baseado nos princípios de “proporcionalidade” e “equidade”, tão estudados na academia, em poucos minutos do filme são reduzidos a discursos, muito bem exemplificado na sessão solene, que se contrapõe à realidade das prisões superlotadas.
Resta a inquietação: como alcançar o ideal de Justiça tão almejado? Será que isso é possível no sistema econômico, político e social em que vivemos?
Com a câmera precisa, Maria Augusta revela os meandros das estruturas de poder, leia-se também o conservadorismo do Judiciário, perceptível nos pequenos detalhes, desde os corredores do fórum, às disposições das cadeiras. Vê-se o discurso, os códigos, as diferentes linguagens, as posturas distintas, coisas que passam despercebidas e demonstram, sensivelmente, a ideologia que fundamenta a “Justiça” no Brasil.
Não por acaso, a diretora se preocupou em mostrar as realidades distintas, tanto na profissão, quanto na intimidade familiar, entre os profissionais da “Justiça” e os acusados nas prisões superlotadas. Esse contraste implica em uma indagação profunda e preocupante: os profissionais do judiciário têm capacidade de “julgar” a vida dessas pessoas?
Há um considerável distanciamento entre o profissional que aplica a lei e o que cometeu um delito, uma vez que o primeiro julga a partir de sua realidade. Isso se evidencia de forma gritante na área criminal. Por exemplo, se uma pessoa comete um roubo de um produto de pequeno valor e é presa, ela deve ser condenada pois, provavelmente, a mentalidade do juiz é de que o indivíduo cometeu um crime e deve sofrer a sanção cabível para que ocorra a sua reeducação, afinal, é função do Poder Judiciário, através do poder de polícia, reprimi-la. Mais que isso, deixar esse “criminoso” livre pode fazer com que o juiz acabe sendo vítima dessa “criminalidade”.
Nesse sentido, a fala da defensora pública, mostrando sua perplexidade ao escutar um promotor dizer que não estava vendo as pessoas sendo presas e, por isso, estava fazendo muitas “denúncias” de crimes, traduz perfeitamente esse distanciamento entre o judiciário e as pessoas. Ora, se um profissional representante de um órgão responsável por fiscalizar o cumprimento das leis não conhece a realidade das prisões e penitenciárias brasileiras, realmente é um caso grave.
Desse modo, as pessoas viram “autos” ou “processos” que abarrotam as mesas e sinalizam a “criminalidade” crescente no país. A origem humilde, o baixo nível de escolaridade e a região que habitam acabam reforçando um pré-conceito para uma possível tendência à ‘marginalidade’, quando pensávamos ter esquecido a estigmatização e criminalização dos três P’s (preto, pobre e puta), ela ressurge.
Sem querer induzir generalizações sobre o perfil dos profissionais do judiciário, mas considero que apesar do documentário filmar o dia-a-dia desses profissionais, dos réus e suas famílias no Rio de Janeiro, esse recorte certamente pode ser aplicado em muitos estado brasileiros.
Tudo isso não é por acaso, o sistema econômico, político e social que o Poder Judiciário está inserido corrobora e mantêm perfeitamente essa lógica, escamoteando o questionamento: qual é o perfil das pessoas que estão sendo presas e por quais crimes? A resposta é simples, a maioria são pessoas de baixa renda ou sem renda alguma, com baixo nível de escolaridade proveniente de regiões periféricas das grandes cidades que cometem crimes contra o patrimônio.
Percebe-se que o princípio da insignificância desaparece muitas vezes e a maioria das pessoas presas são “ladrões de galinha”, termo utilizado no filme. Para aqueles que roubaram (e ainda roubam) quantias consideráveis dos cofres públicos, em decorrência de cargo político ou poder econômico, há tratamento diferenciado, o que revela uma certa “aplicação seletiva” da lei em nosso país. Qualquer semelhança entre a atualidade e essa descrição não será mera coincidência.
Há, sem dúvida, uma harmonia entre o sistema capitalista neoliberal com a atual situação do Poder Judiciário no Brasil. Por mais que manter uma pessoa na cadeia ou penitenciária seja mais caro do que manter esse mesmo indivíduo em uma escola, a lógica é invertida. É mais oportuno superlotar cadeias do que educar e construir a consciência crítica das pessoas, que, provavelmente, questionarão o sistema posto, visto que a alienação é uma arma eficaz para impedir o acirramento da luta de classes.
Dessa forma, o direito pode servir tanto para a manutenção do status quo, quanto como agente transformador da realidade. O ideal aristotélico de “Justiça” baseado nos princípios de “proporcionalidade” e “equidade”, tão estudados na academia, em poucos minutos do filme são reduzidos a discursos, muito bem exemplificado na sessão solene, que se contrapõe à realidade das prisões superlotadas.
Resta a inquietação: como alcançar o ideal de Justiça tão almejado? Será que isso é possível no sistema econômico, político e social em que vivemos?
saiba mais no site oficial do filme.