Diego Santos
“O que seria da sua vida se você não tivesse o direito de ler?”.
Ray Bradbury acredita que, em face de condição tão ingrata, estaríamos fadados a um futuro marcado pelo culto à ignorância televisiva e dominado por um Estado totalitário que, na busca de ordem social, promoveria a homogeneização do comportamento e do pensamento dos “cidadãos”, que por sua vez, viveriam supostamente felizes como marionetes inertes e perdidas em seus desvarios de consumo, futilidade e obediência.
Bradbury descreve esse seu ideário de futuro, que na verdade é regresso à “Idade das Trevas”, em seu livro Fahrenheit 451, o qual, treze anos depois de seu lançamento, foi levado às telas do cinema pelas mãos do renomado diretor francês François Truffaut.
O filme de Truffaut, que manteve o mesmo título do livro, é celebrado por alguns como a maior ficção científica já realizada - talvez mero exagero dos entusiastas pela genialidade desse diretor - mas o fato é que Fahrenheit 451 (desta vez o filme e não o livro) consegue submergir o telespectador em uma aura de paranóia e loucura futurista na qual, vez ou outra, somos capazes de visualizar nossa própria sociedade contemporânea que, cada vez mais, entrega os livros ao pó secular.
Truffaut adaptou a história de Bradbury valendo-se da trama de suspense (alguns críticos, inclusive, conseguem ver aí uma grande referência e homenagem a Alfred Hitchcock) que, uma vez aliada à trilha sonora arrebatadora de Bernard Hermman (compositor de trilhas para Hitchcock) e a um cenário surreal/lisérgico, permite contar a história de Montag, um funcionário do corpo de bombeiros responsável, nessa realidade futurista, pela incineração de livros.
Sim, há essa subversão da função desses profissionais que, em vez de apagarem incêndios, acabam por promovê-los. Isso é bem explicitado na cena em que um garoto visualiza o carro dos bombeiros e diz algo como: “Olha os bombeiros, vamos ver incêndios”. Em inglês, a metáfora é mais evidente, pois bombeiro é fireman, que, numa tosca tradução literal, significa homem do fogo.
Aqui se apresenta o cerne do longa: vive-se sob a égide de um Estado Totalitário que, por meio do aparato legal, proíbe a leitura dos “cidadãos” sob o argumento de que ler traria desestabilidade social, além de promover a desigualdade, bem como o sofrimento das pessoas. Como explica o chefe do corpo de bombeiro em determinada cena: “Quem lê Aristóteles acaba se sentindo superior aos demais que não leram. Por isso ler é perigoso, pois todos devemos ser iguais”.Ou seja, sob um pretenso discurso de democracia e igualdade, esconde-se a defesa da homogeneidade humana sob o signo da ignorância e da inércia social.
Em suma, a realidade construída por Truffaut pode ser encarada como um grande ataque ao Estado totalitário que, ao intervir em todos os meandros da vida das pessoas, torna-as cativas e alheias à realidade em que vivem. Além de permitir a legitimação da perseguição às minorias – leitores, no caso do filme – relutantes em escapar a esse universalismo comportamental instituído.
Que venham à caça as bruxas ou, melhor dizendo, o abatimento dos elementos incômodos para o “bem estar” e “felicidade” da raça! (Qualquer associação ao nazismo não é mera coincidência).
Mas, além de uma obra politizada, o cineasta francês constrói uma legítima ode aos livros, enaltecendo a leitura como instrumento de libertação humana, pois somente através dela que se abandona a cegueira e se toma ciência do mundo. A história de Montag retrata bem essa situação, afinal, ele passa de trabalhador obediente ao sistema a pária intelectualizado, sendo obrigado a viver à margem da sociedade (terra dos homens-livro) para encontrar a felicidade real e abandonar o universo de aparências (algo como o mito da Caverna de Platão, saindo das trevas para a Luz).
A trajetória de Montag nos revela que o intelectual, nessa possível sociedade – ou, até mesmo nessa em que vivemos- é o marginalizado, é o ente subversivo. Algo tão irônico que chega a ser dramático.
Mas, a redenção do protagonista chega ao fim da história. Se até então trabalhara na destruição do acervo intelectual da humanidade, é no desfecho que ele passa a ser defensor do conhecimento, indo viver em uma comunidade onde há tanto amor pela palavra escrita que todos que lá vivem se preocupam em decorar um livro, para preservar intacta a beleza e o saber que esse contém, como se Bradbury e Truffaut estivessem justificando o título desse texto que aqui se faz: a redenção humana só poderia vir através da leitura, ou melhor, do conhecimento.
Outras histórias: Além dessa temática central, Truffaut também trabalha idéias recorrentes nos filmes analisados até então, que são: o individualismo e solidão da sociedade contemporânea, mostrados, seja através da incomunicabilidade existente entre os personagens: se olham pouco, falam mecanicamente uns com os outros (repare nas cenas entre o casal Linda e Montag); seja pela total perda de laços memorialisticos entre eles (não lembram quando se conheceram, como se apaixonaram, como construíram amizades); ou mesmo, pela carência afetiva que sentem, como uma espécie de necessidade emergencial do próximo (cenas em que pessoas se tocam e simulam beijos com os vidros).
Truffaut, por fim, ainda desfere uma crítica à mídia que é pode ser vista ora como mecanismo de alienação das massas, ora como instrumento de dominação estatal.
Ray Bradbury acredita que, em face de condição tão ingrata, estaríamos fadados a um futuro marcado pelo culto à ignorância televisiva e dominado por um Estado totalitário que, na busca de ordem social, promoveria a homogeneização do comportamento e do pensamento dos “cidadãos”, que por sua vez, viveriam supostamente felizes como marionetes inertes e perdidas em seus desvarios de consumo, futilidade e obediência.
Bradbury descreve esse seu ideário de futuro, que na verdade é regresso à “Idade das Trevas”, em seu livro Fahrenheit 451, o qual, treze anos depois de seu lançamento, foi levado às telas do cinema pelas mãos do renomado diretor francês François Truffaut.
O filme de Truffaut, que manteve o mesmo título do livro, é celebrado por alguns como a maior ficção científica já realizada - talvez mero exagero dos entusiastas pela genialidade desse diretor - mas o fato é que Fahrenheit 451 (desta vez o filme e não o livro) consegue submergir o telespectador em uma aura de paranóia e loucura futurista na qual, vez ou outra, somos capazes de visualizar nossa própria sociedade contemporânea que, cada vez mais, entrega os livros ao pó secular.
Truffaut adaptou a história de Bradbury valendo-se da trama de suspense (alguns críticos, inclusive, conseguem ver aí uma grande referência e homenagem a Alfred Hitchcock) que, uma vez aliada à trilha sonora arrebatadora de Bernard Hermman (compositor de trilhas para Hitchcock) e a um cenário surreal/lisérgico, permite contar a história de Montag, um funcionário do corpo de bombeiros responsável, nessa realidade futurista, pela incineração de livros.
Sim, há essa subversão da função desses profissionais que, em vez de apagarem incêndios, acabam por promovê-los. Isso é bem explicitado na cena em que um garoto visualiza o carro dos bombeiros e diz algo como: “Olha os bombeiros, vamos ver incêndios”. Em inglês, a metáfora é mais evidente, pois bombeiro é fireman, que, numa tosca tradução literal, significa homem do fogo.
Aqui se apresenta o cerne do longa: vive-se sob a égide de um Estado Totalitário que, por meio do aparato legal, proíbe a leitura dos “cidadãos” sob o argumento de que ler traria desestabilidade social, além de promover a desigualdade, bem como o sofrimento das pessoas. Como explica o chefe do corpo de bombeiro em determinada cena: “Quem lê Aristóteles acaba se sentindo superior aos demais que não leram. Por isso ler é perigoso, pois todos devemos ser iguais”.Ou seja, sob um pretenso discurso de democracia e igualdade, esconde-se a defesa da homogeneidade humana sob o signo da ignorância e da inércia social.
Em suma, a realidade construída por Truffaut pode ser encarada como um grande ataque ao Estado totalitário que, ao intervir em todos os meandros da vida das pessoas, torna-as cativas e alheias à realidade em que vivem. Além de permitir a legitimação da perseguição às minorias – leitores, no caso do filme – relutantes em escapar a esse universalismo comportamental instituído.
Que venham à caça as bruxas ou, melhor dizendo, o abatimento dos elementos incômodos para o “bem estar” e “felicidade” da raça! (Qualquer associação ao nazismo não é mera coincidência).
Mas, além de uma obra politizada, o cineasta francês constrói uma legítima ode aos livros, enaltecendo a leitura como instrumento de libertação humana, pois somente através dela que se abandona a cegueira e se toma ciência do mundo. A história de Montag retrata bem essa situação, afinal, ele passa de trabalhador obediente ao sistema a pária intelectualizado, sendo obrigado a viver à margem da sociedade (terra dos homens-livro) para encontrar a felicidade real e abandonar o universo de aparências (algo como o mito da Caverna de Platão, saindo das trevas para a Luz).
A trajetória de Montag nos revela que o intelectual, nessa possível sociedade – ou, até mesmo nessa em que vivemos- é o marginalizado, é o ente subversivo. Algo tão irônico que chega a ser dramático.
Mas, a redenção do protagonista chega ao fim da história. Se até então trabalhara na destruição do acervo intelectual da humanidade, é no desfecho que ele passa a ser defensor do conhecimento, indo viver em uma comunidade onde há tanto amor pela palavra escrita que todos que lá vivem se preocupam em decorar um livro, para preservar intacta a beleza e o saber que esse contém, como se Bradbury e Truffaut estivessem justificando o título desse texto que aqui se faz: a redenção humana só poderia vir através da leitura, ou melhor, do conhecimento.
Outras histórias: Além dessa temática central, Truffaut também trabalha idéias recorrentes nos filmes analisados até então, que são: o individualismo e solidão da sociedade contemporânea, mostrados, seja através da incomunicabilidade existente entre os personagens: se olham pouco, falam mecanicamente uns com os outros (repare nas cenas entre o casal Linda e Montag); seja pela total perda de laços memorialisticos entre eles (não lembram quando se conheceram, como se apaixonaram, como construíram amizades); ou mesmo, pela carência afetiva que sentem, como uma espécie de necessidade emergencial do próximo (cenas em que pessoas se tocam e simulam beijos com os vidros).
Truffaut, por fim, ainda desfere uma crítica à mídia que é pode ser vista ora como mecanismo de alienação das massas, ora como instrumento de dominação estatal.
3 comentários:
Isso me lembra 1984. O Estado totalitário e a perda da dignidade humana.
Oi,
Entrei no seu Blog e achei super interessante, sou da equipe do "O Signo da Cidade" que estréia em janeiro, com direção de Carlos Alberto Riccelli e roteiro de Bruna Lombardi. No site: www.osignodacidade.com.br tem mais informações sobre o filme, fotos, elenco e sinapse.
Fizemos uma mensagem de Ano Novo com cenas do filme, dá uma olhada: http://br.youtube.com/watch?v=V5YVVVTppHw
Se possível, nós ajude na divulgação.
abs
Andréa Levy
producao@osignodacidade.com.br
Gostei muito do post.É a primeira vez que venho aqui, e sou apaixonada por cinema.
Quanto a Fahrenhei 451, é um bom filme, mas houveram filmes melhores naquela década.
Na minha opinião... =P
Beijos.
Postar um comentário